segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Objeto, espetáculo, obstáculo

“E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.”
Chico Buarque


A fumaça negra no cano de escape

Ruas, prédios multicoloridos

A chuva densa embaça os vidros

A vida passa sem causar alarde


Sapatos gastos, rua, condução

Um indigente na contramão

Contra o corpo quente, bate, estende ao chão

Quebra-mola humano, humana ondulação


Amontoado de músculo, carne e osso

Desagradável, estética de mau gosto

Ambulantes olham para o lado oposto

Interessante! tem carne e osso exposto


O público cerca o grande espetáculo

A desgraça de um pobre infeliz

Alegra o instinto sádico coletivo

Lembra que a vida é vida por um triz


No jornal as cenas do ocorrido

O indigente mal socorrido

Violência, adrenalina

Audiência, carnificina


Concreto, ferro, borracha, latão

Busco a rima adequada

Por conveniência rimaria com paixão

Mas foge totalmente ao propósito da cidade

Foge ao propósito de toda velocidade, aparência ou pragmatismo idolatrados

Urgência dos bancos e das informações

Das informações dos bancos de dados

Dos dados: “mais um indigente morto”

Gente vira número, objeto, espetáculo, obstáculo...

E isso não tem nem graça, nem rima, nem métrica

Me desculpem.


Cidade cria vontade

Gente cria função

Renan Ramalho

2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sorriso educado

Ainda engatinhando, inspirado pela leitura das poesias do blog de Rodolfo (http://www.tengolengo.blogspot.com/), pouco conhecido por mim, mas já admirado; tento utilizar elementos da poesia concreta. Sim e aproveitando, Rodolfo é um pouco culpado por isso tudo, já que foi ele que apresentou a poesia a Flávio, que apresentou a mim... desde então decidi chamar de poesia o que antes pra mim eram letras de novas músicas

"A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
e tudo se acabar na quarta feira"


Tom Jobim

FELIZ


Uma frase guardada por anos

Atormentou-me por todo esse tempo

Minha memória desconhecia

Mas se expandia, feria


Meus demônios

Meus medos

Um inimigo próximo, desconhecido

Eu os criei. Eles me dominavam


Por toda cautela, não tenho cicatrizes

Imaginava não ter feridas

Se as marcas ensinam...


...a pele aberta atemoriza, sensibiliza

MEDO!


Tristeza... finjo feliz... tristeza

Intempérie... tic tac verdade tic tac... conforto.

A ilusão adia o processo


Um grito!...

...rouco, empoeirado e espremido é a melhor solução

Renan Ramalho. 2007/2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Serotonina

Come banana pra ficar feliz
Toma uma bala pra ficar legal
E a serotonina menina menina menina... brincando de astronauta no espaço cinza sideral

Eu tento ver a felicidade em seu nariz
Num simples sorriso ou no balanço do quintal
Mas ela não tem cara, não tem mala, não tem tara...
Perde-se entre as nuvens do que pensas ser o ideal

Vive entre os livros de um aprendiz
Vive nos enigmas de um sábio intelectual
Vive na sutileza, divagante na destreza...
Perde-se entre as formas e conceitos do que é normal

E tentam enlatá-la. Como é q se diz?
Sexo, sexo, sexo, sexo, sexo...
Cerveja, cerveja bunda cerveja...
Novela não veja não veja não veja

“Aprendo” na TV como ser feliz
“Aprendo” na vida como ser legal
E vejo nos filmes o que eu não vejo no espelho
Tento ser alguém que penso ser, mas não ser natural

Os pais estão distantes, tão distantes, distantes...
E os filhos educados por uma baba espacial
E ela finge ser e não ser, ela te vê. A TV...
Não sei porque, esqueci de dizer, PC.

Eu vejo alegria num pobre sem nariz
Na cabeça raspada num leito de hospital
Mas teu cabelo é crespo, crespo desde o começo...
E choras pois não tens os cachos cedas do comercial

A realidade tem 14 polegadas
E o filho do padre 14 namorado
Eu chamo a maldade de minha camarada
E a felicidade de sua aliada, alienada...

Neologisticamente, meuegoebelezisticamente
Aplaudo a mente de quem ganha, mas mente
De desgosto viro rosto para o honesto indigente
Bem sucedido é o mendigo que pôs ouro nos dentes


Renan Ramalho. 2007